[p. 15] "Tinham amor à arte e diziam muitas vezes que a arte era para eles o que havia de mais importante. Mesmo Leslie, que não era avesso a filosofar de quando em quando, sentia-se inclinado a ver nela a única coisa capaz de resgatar a insignificância da existência humana e nutria o maior respeito por aqueles que a cultivavam."
[p. 44] "Todas as coisas que merecem ser feitas são difíceis. Mas ocorre com o homem essa coisa estranha: quando entra em jogo seu instinto de conservação, quando tem de realizar qualquer coisa de que depende seu ser, ele encontra em si mesmo a força que necessita."
[p. 46; Simon] "- Sobre o amor tem se dito muita mentira, como sabe. Atribuem-lhe uma importância que os fatos não justificam. A julgar pelo que se houve falar, dir-se-ia ser indiscutível sua superioridade sobre todos os valores humanos. Nada menos evidente. Antes de Platão ter vestido sua sensualidade sentimental com tão sedutoras galas literárias, o mundo antigo não lhe dava mais importância do que era razoável. O sadio realismo dos muçulmanos nunca o considerou senão como uma necessidade física. Foi o cristianismo que, estribando no neoplatonismo seus reclamos emocionais, fez do amor a finalidade, a razão e a justificativa da vida. Mas o cristianismo foi a religião dos escravos. Oferecia o céu aos cansados e aos aflitos, para compensá-los no futuro da sua miséria neste mundo, e o ópio do amor para que pudessem suportá-la no presente. E, como todas as drogas, ele enervou e aniquilou aqueles que se entregaram a ele. Há dois mil anos que nos sufoca. T em nos amolecido a vontade e diminuído a coragem. Neste mundo moderno em que vivemos, sabemos que quase todas as coisas tem muito mais importância para nós do que o amor, sabemos que somente os fracos e os tolos permitem que ele influa nas suas ações, mas ainda assim lhe rendemos um frívolo culto de palavras. Nos livros, no palco, no púlpito, na tribuna, ouvimos ainda aquele mesmo palavreado sentimental de que se usava em Alexandria para iludir os escravos."
[p. 225; Simon] "... não deveríamos ter senão conhecidos, e nunca fazer amigos. Um conhecido só nos mostra suas qualidades mais amáveis. É cortês e solícito, esconde os defeitos sob a máscara das convenções sociais. Mais faça-se tão íntimo dele a ponto de vê-lo tirar a máscara, procure conhecê-lo tão bem que ele já não se dê ao trabalho de fingir, e descobrirá um ente tão cheio de baixeza, tão vulgar, tão fraco e tão corrupto que ficará horrorizado se não houver adivinhado antes que essa era a sua natureza, e seria tão absurdo condená-lo como seria condenar o lobo porque pilha os rebanhos ou a serpente porque pica. Porque o egoísmo é a essência do homem, e ao mesmo tempo sua força e sua fraqueza."
[p. 226; idem] "A piedade é a lisonja por que suspira o fracassado para poder consarvar a estima própria. A piedade é o tostão falso que os prósperos dispensam aos desfavorecidos da fortuna para poderem gozar sua prosperidade com a consciência mais tranquila."





