[p. 15]
"Enquanto dura a missa pagã (partida de futebol), o torcedor é muitos. Compartilha com milhares de devotos a certeza de que somos os melhores, todos os juízes estão vendidos, todos os rivais são trapaceiros."[p. 16] "O gol é o orgasmo do futebol."
[p. 19] "O técnico acredita que o futebol é uma ciência e o campo um laboratório, mas os dirigentes e a torcida não apenas exigem a genialidade de Einstein e a sutileza de Freud, mas também a capacidade milagrosa de Nossa Senhora de Lourdes e a paciência de Gandhi."
[p. 33] "Os futuros chefes da sociedade aprendiam a vencer jogando o futebol nos pátios dos colégios e das universidades. Ali, os rebentos da classe alta desafogavam os seus ardores juvenis, aprimoravam sua disciplina, temperavam sua coragem e afiavam sua astúcia. No outro extremo da escala social, os proletários não precisavam extenuar o corpo, porque para isso havia as fábricas e as oficinas, mas a pátria do capitalismo industrial havia descoberto que o futebol, paixão de massas, dava diversão e consolo aos pobres e os distraía de greves e outros maus pensamentos."
[p. 34] "Em 1891 o arbitro entrou em campo pela primeira vez, usando um apito; marcou o primeiro pênalti da história e caminhando doze passos assinalou o lugar da cobrança. Fazia tempo que a imprensa britânica vinha fazendo campanha a favor do pênalti. Era preciso proteger os jogadores na hora do gol, que era cenário de chacinas. A Gazeta de Westminster havia publicado uma impressionante lista de jogadores mortos e de ossos quebrados."
[p. 40] "Em que o futebol se parece com Deus? Na devoção que desperta em muitos crentes e na desconfiança que desperta em muitos intelectuais."
[p. 41] "Muitos intelectuais de esquerda desqualificam o futebol porque castra as massas e desvia sua energia revolucionária. Pão e circo, circo sem pão: hipnotizados pela bola, que exerce uma perversa fascinação, os operários atrofiam sua consciência e se deixam levar como um rebanho por seus inimigos de classe."
[p. 42] "Naqueles primeiros anos do século não faltaram intelectuais de esquerda que celebraram o futebol, em vez de repudiá-lo como anestesia da consciência. Entre eles, o marxista italiano, Antonio Gramsci, que elogiou 'este reino da lealdade humana exercida ao ar livre'."
[p. 43] "Um momento lembra, na Ucrânia, os jogadores do Dínamo de Kiev de 1942. Em plena ocupação alemã, eles cometeram a loucura de derrotar uma seleção de Hitler no estádio local. Tinham sido avisados: 'Se ganharem morrem'. Entraram resignados a perder, tremendo de medo e de fome, mas não puderam aguentar a vontade de ser dignos. Os onze foram fuzilados vestidos com as camisas, no alto de um barranco, quando terminou a partida."
[p. 62] "Na copa de 30, o Uruguai estreou um monumental cenário construído em oito meses. O estádio se chamou Centenário, para celebrar o aniversário da Constituição que um século antes tinha negado direitos civis às mulheres, aos analfabetos e aos pobres."
[p. 64] "Em 1930, Albert Camus, era o São Pedro que tomava conta da porta da equipe de futebol da Universidade de Argel. Disse: - Aprendi que a bola nunca vem para a gente por onde se espera que venha. Isso me ajudou muito na vida, principalmente nas grandes cidades, onde as pessoas não costumam ser aquilo que a gente acha que são as pessoas direitas."
[p. 76] "No mundial de 38, a Itália disputou a final contra a Hungria. Para Mussolini, este triunfo era uma questão de Estado. Na véspera, os jogadores italianos receberam, de Roma, um telegrama de três palavras, assinado pelo chefe do fascismo: 'Vencer ou morrer'. Não houve necessidade de morrer, porque a Itália venceu por 4 x 2."
[p. 97] "No mundial de 54, o Brasil estreou a camisa amarela com gola verde, uma vez que a camisa anterior, branca, tinha lhe dado azar no Maracanã. Mas a cor canarinho não teve efeito imediato: O Brasil foi derrotado pela Hungria numa partida violenta, e não pôde chegar às semifinais. A delegação brasileira denunciou à FIFA o árbitro inglês, que tinha atuado "a serviço do comunismo internacional, contra a Civilização Ocidental e Cristã"."
[p. 183] "Quando a Espanha ainda sofria a ditadura de Franco, o presidente do Real Madri, Santiago Bernabéu, definiu assim a missão do time: '- Estamos prestando um serviço à nação. O que queremos é manter as pessoas contentes.' O seu colega do Atlético de Madri, Vicente Calderón, elogiava também as virtudes desse valium coletivo: ' - O futebol é bom para que as pessoas não pensem em outras coisas mais perigosas.' "
[p. 199] "Os jogadores o que são? Micos de circo? Embora se vistam de seda, continuam micos? Nunca foram consultados na hora de decidir quando, onde e como se joga. A burocracia internacional altera as regras do futebol a seu gosto, sem que os jogadores tenham arte nem parte. E não podem nem mesmo saber quanto dinheiro produzem suas penas, e onde vão parar essas fortunas fugitivas."
[p. 204] "Uma jornalista perguntou à teólogo alemã Dorothee Solle:
- Como a senhora explicaria a um menino o que é a felicidade?
- Não explicaria - respondeu. - Daria uma bola para que jogasse. "