"O desaparecimento dos valores democráticos se deu em nome da "democracia", o encobrimento "democrático" de movimentos anti-democrático tornou-se uma constante desde o século passado. Não por acaso, como percebeu Adorno, "o ataque americano à democracia geralmente tem lugar em nome da democracia"." [p.23]
"Na pós-democracia não existem obstáculos ao exercício do poder: os direitos e as garantias fundamentais são vistos como mercadorias que alguns consumidores estão autorizados a usar. Da mesma maneira que judeus se converteram ao cristianismo para escapar da inquisição (os "cristãos-novos"), direitos, garantias e tudo aquilo que antes era considerado inegociável foram transformados em mercadoria ("mercadorias-novas") em nome do neoliberalismo, um fundamentalismo que só não pode ser tratado como "religião" porque nele não há espaço para o perdão e a expiação, isso porque a fé neoliberal só reconhece a existência de dívidas e culpas." [p. 41]
"... a justiça neoliberal, no qual a avaliação dos custos da atividade (e das consequências das decisões judiciais para as grandes corporações) é mais importante do que a realização do valor justiça."[p. 47-48]
"O Holocausto foi possível apesar do Estado de Direito, pois contou com a ajuda de juristas e juízes. O fascismo e o nazismo serviram-se do direito. A opressão não é incompatível com o direito." [p. 60]
"No processo penal, área do direito em que se dá a gestão do poder penal no mundo-da-vida, as tentativas de racionalização desse poder foram substituídas pelo fenômeno da espetacularização, tipico da pós-democracia. Tem-se uma nova mercadoria a ser oferecida ao consumidor-espectador. Tem-se, então, o "processo penal do espetáculo, no qual se dá o primado do enredo, da versão dirigida pelo juiz para agradar a opinião pública ou o desejo das corporações midiáticas (as mesmas que constroem versões e fabricam heróis para as massas). sobre o fato." [p. 75]
"... em modelos autoritários de justiça penal, a pessoa é punida em razão do que ela é ou representa, ao passo que modelos tendencialmente democráticos se preocupam em punir uma pessoa pelo que ela fez." [p. 102]
"Na pós-democracia, os riscos de condenações injustas são ainda maiores, na medida em que o próprio valor "verdade" é abandonado e substituído pela chamada "pós-verdade", uma narrativa que atende à razão neoliberal, entendida como nova razão do Estado, aos interesses do mercado ou do espetáculo, e não guarda relação necessária com os acontecimentos no mundo-da-vida. Correlato à distinção mercadológica da "verdade", o valor "liberdade", que na tradição liberal sempre exigiu inações do Estado, passa a ser percebido como uma negatividade, ao mesmo tempo que a repressão adquiriu status de positividade. Não por acaso, absolvições são "vendidas" pelas corporações midiáticas como exemplos de impunidade, ao passo que condenações, mesmo que em desacordo com a facticidade e/ou legalidade, apresentadas como algo positivo, medida necessária para o fim da impunidade." [p.109]
"Em uma concepção atrelada a certa tradição própria do modo de produção capitalista, a liberdade possui um valor em si (liberdade como um "bem" a ser usado, gozado e fruído), ao passo que, em uma visão marxista, costuma ser apresentada como um meio (entre outros disponíveis) à realização das potencialidades do homem." [p. 141]
"No processo penal que se desenvolve em Estados Democráticos, a acusação não passa de uma hipótese a ser ou não confirmadas pelas provas. No Estado Pós-Democrático não há necessidade de provar a hipótese acusatória, uma vez que é ela que melhora atende à razão neoliberal." [p.197]
